Arregaça as mangas!

Aprender a aprender

12 Agosto 2022

História, matemática, português, geografia - tudo disciplinas e áreas do saber que aprendemos ao longo da nossa vida académica. Desde o ensino secundário ao ensino universitário, quer possamos escolher as disciplinas ou não, parece estranho não existir uma disciplina dedicada à aprendizagem. Sem dúvida que “o que aprender” é muito importante, mas e então o “como aprender”?

Talvez seja um tanto irónico e, um pouco autorreflexivo, aprender como aprender. Mas para melhor tirar partido das nossas capacidades e circunstâncias, é necessário explorar esta área. Desde livros sobre a matéria, a investigações científicas, já se sabe mais sobre como o cérebro funciona, como armazena e interpreta informação, e como cuidar bem dele para funcionar no seu melhor.

Para uma aprendizagem eficaz, é necessário ter em conta três aspetos importantes: a mentalidade que empregamos, a motivação por trás das ações, e o método (também de estudo) que estamos a usar.

 

Mentalidade

No departamento da mentalidade abundam artigos pela internet e conselhos de amigos/familiares sobre como devemos ser positivos (o que se torna bem difícil no meio de uma época de exames banhada por incertezas e dificuldades). Mas a realidade, é que esta afirmação não são só meras palavras ditas “da boca para fora”.

A Dra. Lisa Yanek, da Universidade John Hopkins em Baltimore, verificou claras ligações entre um pensamento positivo e saúde física. Chegou mesmo a afirmar que “indivíduos positivos tinham uma probabilidade 13% inferior de sofrerem de um ataque cardíaco ou outro episódio coronário de que as suas contrapartes negativas”.

Aliás, um pensamento positivo, e, por conseguinte, o otimismo, faz parte da receita para gerir o stress de forma eficaz e eficiente. A Clínica Mayo identificou um conjunto de benefícios físicos e psicológicos ligados a esta mesma situação, dos quais destaco apenas alguns: taxas reduzidas de depressão; maior resistência às constipações; melhor bem estar psicológico e físico; e melhor saúde cardiovascular.

Parece que afinal o mantra “crio a minha própria realidade”, usado muitas vezes na meditação e no yoga, não é tão descabido como por vezes nos parece.

A Dra. Barbara Fredickson, do National Center for Biotechnology Information, vai mais longe, e fala até mesmo da abrangência de possibilidades ligadas a uma mentalidade positiva e otimista: depois de uma experiência feita envolvendo cinco grupos de pessoas expostas a excertos de filmes que suscitam diferentes emoções (e do preenchimento de um formulário com frases começadas em “Eu gostaria de” depois de visionar os excertos) conclui-se que indivíduos que experienciam alegria, amor e satisfação veem mais probabilidades na sua vida.

É importante, por isto, ter conhecimento do nosso sistema de crenças, perceber como funciona e em que acreditamos. Especialmente, tendo em conta que algumas destas crenças nos podem limitar.

 

A natureza tende para a coerência e nós também: os nossos valores, hábitos, emoções, atitudes e ações tendem a estar em concordância. Daí que um conselho comum seja que quando estamos a estudar e ficamos cansados, nos devamos levantar, fazer exercício, e alterar a nossa postura física (no fundo, começar a alterar o nossa ação para que a atitude a siga).

 

Perceber quais são aos nossos core beliefs – aqueles que, no fundo, estão de tal maneira enraizados em nós que influenciam, direta ou indiretamente, o nosso comportamento – é um bom ponto de partida para perceber que tipo de coisas dizemos a nós próprios sobre a nossa inteligência, cognição e capacidades.

Por outras palavras, o que dizemos de nós para nós, importa.

Para criar um ambiente emocional e psicológico que potencie a aprendizagem, devemos começar por olhar para dentro de nós.

Em adição, e precisamente porque o tema é a aprendizagem, é importante desmistificar as sete mentiras mais comuns sobre a aprendizagem.

 

 

Motivação

Depois de ter lido sobre o que escrevo neste artigo, deixei de dizer que não tinha motivação para fazer nada. Em vez disso, em dias em que, anteriormente, diria que não tinha motivação, passei a dizer “hoje tenho apenas motivação para ficar no sofá algumas horas sem fazer nada”.

A motivação é, também, outro ponto essencial, muitas vezes associado à disciplina e à razão, que influencia a nossa aprendizagem e nosso estudo. É nada mais do que o motivo subjacente às nossas ações: corro todos os dias porque quero fazer a maratona; trabalho em part-time para poupar dinheiro para uma viagem; bebo água em abundância para hidratar a pele; fico no sofá porque estou cansada e preciso de uma longa pausa sem fazer nada; e tantas outras afirmações que poderíamos aqui dizer.

Jim Kwik, CEO da Kwik Learning, e criador do método dos três Ms que aqui descrevo, afirma que a motivação tem uma fórmula:

Motivação = Propósito x Energia x Pequeno Passos Simples

 

Ainda que a fórmula seja da sua autoria, os estudos científicos e as conclusões que o levaram a formulá-la passam pelo autoconhecimento, um estilo de vida saudável, e uma noção abrangente de self care do cérebro, do corpo e da mente.

Ter um propósito, um objetivo, uma razão clara que nos leve a fazer o que é preciso que façamos, é uma das chaves que permite assegurar que a tarefa é feita e concluída. Daí, que seja necessário estruturar a tarefa de um modo eficaz e lógico que permita a sua conclusão. É aqui que entram os SMART goals.

Convencionados nos anos 80 num paper de George Doran (consultor e antigo diretor do Corporate Planning for Washington Water Power Company) este método age da seguinte maneira:

  • S (Specific) Singular: definir rigorosamente e singularmente o objetivo;
  • M (Mesurable) Mesurável: para conseguir controlar o objetivo é preciso medi-lo;
  • A (Attainable) Aplicável: Escolher os passos que permitem aplicar na prática o objetivo;
  • R (Realistic) Realista: O objetivo deve ser desafiante, mas não tanto que nos leve a desistir dele;
  • T (Time Bound) Temporal: Um prazo deve ser

Ainda assim, nem todos se dão bem com o lado somente lógico e científico dos SMART goals pelo que é necessário ter em conta, também, o aspeto emocional: optar por escolher um objetivo saudável, relevante e cativante. Pontos extra se, inclusive, se adicionar uma recompensa depois de o objetivo ser concluído (p.e.: estudei toda a matéria de hoje e vou recompensar-me com um chocolate).

Ainda que possa ser confundido com a paixão, o propósito pode ser entendido como as motivações centrais, as razões que nos fazem sair da cama pela manhã; desde propósitos mais filosóficos aos mais simples, é preciso definir um para que tudo o resto possa assentar sobre ele.

Enquanto que o propósito se prende mais no aspeto do motivo, a energia foca-se na maneira de nos mantermos ativos e saudáveis cuidando e nutrindo o cérebro.

Num dos episódios do podcast Kwik Brain, Shawn Stevenson, autor bestseller de Eat Smarter e Sleep Smarter, e Jim Kwik, exploram várias maneiras de manter o cérebro em forma e energético resumidas por:

  • Alimentos que nutrem o cérebro;
  • Exercício Físico (há um estudo de Harvard de 2014 que explica como o exercício melhora a memória e o pensamento);
  • Gerir e deixar para trás pensamentos negativos;
  • Ter um ambiente e espaço limpo;
  • Grupo de pares positivos;
  • Segurança cerebral (conduzir com segurança, por exemplo);
  • Continuar a aprender;
  • Gerir o stress;
  • Dormir (e desde TED Talks a papers científicos muito se pode dizer sobre este assunto);
  • Descansar a

Só faltam os “pequenos passos simples”: se uma tarefa parece ser grande e desafiadora e nos deixa assoberbados com tanto trabalho, uma boa opção é dividi-la em pequenas partes mais “fazíveis”; a propósito desta questão, muitas vezes ligada à procrastinação e ao stress que as tarefas inacabadas ou incompletas nos causam, a psicóloga russa Bluma Zeigarnik conduziu, na década de 1920, um estudo através do qual as conclusões ficaram conhecidas como o Efeito Zeignarnik: as tarefas incompletas estarão sempre na nossa mente a causar-nos stress até que as façamos.

Em entrevista ao The Independent, a propósito deste efeito, a Dra. Hadassah Lipszyc (cognitive behaviour therapist) sublinha que “Tarefas incompletas e procrastinação geralmente levam a padrões de pensamento inúteis e prejudicais. Esses pensamentos podem impactar no sono, desencadear sintomas de ansiedade e agir sobre os recursos mentais e emocionais de uma pessoa”. Assim, é preciso começar pelas tarefas mais stressantes, que nos causam tensão e ansiedade, de modo a libertarmo-nos delas para continuarmos com os nossos afazeres.

 

Métodos

À primeira vista parece que matérias como álgebra linear, direito constitucional, literatura comprada ou paleografia nada têm em comum. Mas, na realidade, têm mais em comum do que pensamos. Não em termos de matéria, propriamente dita, mas sim no que toca à possibilidade de métodos para estudá-las.

São vários os métodos de estudo disponíveis (como, por exemplo, a técnica do pomodoro alinhada com a maneira como a memória funciona), bem como os estilos de aprendizagem. E, ainda assim, há um conjunto de ferramentas transversais a todas as áreas do saber: foco, estudo e memória.

Para estudar qualquer assunto é necessário que estejamos focados e concentrados na matéria; que estejamos presentes no momento e não a deixar a nossa mente deambular por outros caminhos. O foco, a concentração, são como que um músculo: algo que se trabalha e quanto mais se exercita mais forte se torna. Pode ser aprendido e melhorado. Dandapani (sacerdote hindu), num dos episódios de Kwik Brain, chega a colocar a questão da seguinte maneira: “Defino a concentração como a minha capacidade de manter a consciência focada numa coisa durante um período alargado. De cada vez que a concentração se dissipa, sirvo-me da força de vontade para recuperar a consciência.”

Ainda que se possam tentar técnicas de meditação, yoga e outras tantas dicas e exercícios, existem três ações curtas (para quem tem pouco tempo) que se tornam úteis para uma mente concentrada:

  • Respirar: o método 4-7-8 é, frequentemente, usado para acalmar uma mente agitada e controlar melhor a ansiedade;
  • Despachar primeiro as tarefas que causam mais stress (obrigada Efeito Zeigarnik);
  • Agendar tempo para distrações: da mesma maneira que se pode agendar tempo para preocupações, é possível agendar tempo para distrações; assim, é muito mais provável que nos mantenhamos focados na tarefa sabendo que teremos um tempo específico e definido para nos

Uma vez focados, podemos dedicar-nos ao estudo em si. E aqui é que entramos nas dicas de estudo e maneiras de tomar notas. Ainda assim, e dada a extensão do artigo, vou apenas destacar o seguinte: não é aconselhável “marrar” tudo de uma vez só na noite anterior; e Recordação Ativa (ou Active Recall) e Repetição Espaçada (Spaced Repetition) são as nossas melhores amigas no que toca ao estudo.

Claro que para estudar, e depois aplicar todo o estudo na avaliação, é necessário que a nossa memória entre em jogo. Depois de décadas de estudos e investigações sobre a memória, há uma conclusão fundamental: a memória pode ser treinada. E tal como a concentração, a memória pode ser melhorada com uma série de métodos e exercícios. Na realidade, uma vez mais, o estilo de vida e as decisões que tomamos fazem a diferença.

Aprender é sempre um desafio e é algo que está, constantemente, presente na nossa vida, especialmente, durante os anos académicos. Temos, por isso, de saber como aprender para melhor tirar partido da matéria que estamos a estudar e manter o nosso cérebro saudável e em forma.

 

Nota da Autora: Este artigo foi escrito com base no livro “Sem Limites” de Jim Kwik.

Artigo redigido por Mariana Cristo (Redatora com Futuro)


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