Nos últimos dias temos assistido a um debate no espaço público sobre a possibilidade de um Ensino Superior gratuito para os estudantes, ou seja, sem propinas. A discussão ganhou força com o ministro que tutela o Ensino Superior a declarar-se a favor do fim das contribuições por parte dos alunos e, sobretudo, com o o Presidente da República a partilhar a mesma opinião. Por isso, convém perceber o enquadramento que leva a personagens políticas tão relevantes a mostrarem-se favoráveis a tal mudança, como a evolução dos valores ao longo dos anos.
A propina zero é uma realidade em vários países da Europa, como na Áustria, Finlândia, República Checa ou Alemanha. Em Portugal, como sabes, registou-se uma diminuição no valor anual, de um máximo de 1063 para 856 euros; contudo, nem sempre o montante de contribuição anual foi na ordem dos milhares. No anos 40, as propinas foram fixadas no que hoje vale a 6 euros. Este valor não pode ser dissociado do custo de vida na altura, bastante mais baixo - ainda assim, era um valor bastante modesto.
O panorama alterou-se drasticamente passados cerca de 50 anos, com a introdução de várias leis nos anos 90. A primeira ficou, de 1992, conhecida como a "Lei das Propinas" e estipulava que as mesmas anuais seriam definidas pelas Instituições de Ensino Superior. O valor tinha limites, que eram determinados através de vários factores, como as despesas da respectiva IES. No ano lectivo seguinte a propina anual passava de seis euros para 399.
O diploma esteve pouco tempo em vigor e dois anos depois foi decretada uma "propina nacional, não diferenciada por IES. O valor das propinas situava-se entre um mínimo de 20% e um máximo de 25% do resultado da divisão das despesas de funcionamento do conjunto das IES, no ano imediatamente anterior, pelo número total dos alunos nelas inscritos", como explica o Diário de Notícias. Nos anos lectivos de 94/95 e 95/96, os valores eram, respectivamente, de 418,99 e 438,94 euros.
Volvidos outros dois anos e nova alteração foi feita: as duas leis anteriores foram revertidas e voltou-se ao valor de seis euros por ano. Se achaste que esta alteração durou pouco tempo, adivinhaste, mas não te livras das propinas no próximo semestre. Três anos mais tarde, em 1997, o valor de seis euros foi atualizado ao poder de compra vigente, sendo que os legisladores entendiam que o Ensino Superior deveria ser financiado pelo Estado, pelas IES e pelo estudante. Assim, estipulou-se que a propina anual deveria igualar o valor mensal do salário mínimo nacional definido naquele ano. Nos anos seguintes o valor anual voltou a rondar os 200 e 300 euros
E não, não ficamos por aqui: cinco anos mais tarde registou-se uma nova atualização, ou seja, um aumento (quando se fala em dinheiro, atualização significa sempre aumento - é para custar menos). O valor subiu tendo em conta "a natureza dos cursos e da sua qualidade, com um valor mínimo correspondente a 1,3 do salário mínimo nacional em vigor" e um patamar superior que não pode ultrapassar o valor atualizado do índice de preços no consumidor. Isto fez com com que a propina passasse de 348,00 para 852 euros, até que atingiu o máximo é de 1067 em 2014 e menos quatro euros nos anos seguintes, para 1063. Montante que, já sabes, vai descer no próximo ano lectivo, como referimos no início do artigo.
Por que existem, então, as propinas?
Segundo a lógica que fez aumentar exponencialmente o valor das mesma, servem para ajudar no financiamento das IES. O que é importante discutir é se é possível haver outras formas de financiamento e se a existência de propinas, na ordem dos valores que são atualmente praticados, constituem uma barreira à formação dos portugueses e contribuem para um mercado de trabalho menos qualificado.
Outro dado importante é perceber o que as contribuições dos estudantes representam nos orçamentos das IES: no ano passado, as propinas reflectiram, em média 23,7% das receitas de universidades e politécnicos. Ainda assim, a descida do valor para os tais 852 euros representa, dizem as instituições, dificuldades no normal funcionamento das mesmas, e esperam que o estado cubra as diferenças: "Esperamos que a questão da diminuição do teto máximo esteja resolvida ainda neste ano. Está em causa a sustentabilidade das instituições e o seu funcionamento", contou ao DN o reitora da UTAD.
E sobre o fim das propinas?
Quanto a essa questão, a resposta é que não sabemos e o período de transição mais curto de que se contempla como hipótese é de 10 anos. O que é conhecido é que há vontade política para que isso aconteça, mas também há o contrário. Por isso, o melhor é continuarmos atentos à discussão pública e política e fazermos o que achamos que contribui para um acesso ao ensino superior mais democrático e igualitário.