Saber coisas nunca fez mal!

Quando nos abstemos de meio século de Democracia!

Coordenadora de Comunicação do projeto "Os 230"
1 Março 2024

Estamos a um mês de celebrar os 50 anos do 25 de Abril e o subsequente término do mais longo regime autoritário de que há memória na Europa Ocidental do século XX. No entanto, recentes resultados de um estudo relativo ao funcionamento da democracia a nível mundial trazem um gosto amargo às comemorações do fim da ditadura, que mergulhou Portugal numa opressão ultraconservadora durante 48 anos.

 

Os resultados do Índice de Democracia 2023, uma ferramenta utilizada pela revista The Economist para analisar o estado da democracia em 167 países, surgem dispostos a macular a aguardada festa rija de celebração de meio século de liberdade. Portugal caiu 3 lugares e desceu para 31º, o segundo pior resultado dos últimos 10 anos, conservando a classificação de “democracia com falhas”. Segundo a publicação, o país obteve a sua pior qualificação no indicador “funcionamento do governo”, o que espelha não só a crise política que paulatinamente temos vindo a assistir de bancada, e que conduz à desacreditação no sistema organizacional do Estado, como também a degradação do normal funcionamento das instituições ditas democráticas.

 

É nessa perspetiva que as eleições legislativas de 10 de Março assumem uma importância fulcral no panorama político português. O próximo governo, quem quer que o venha a constituir, terá a responsabilidade de cativar quem vota à esquerda e quem escolhe à direita; de restaurar a confiança do seu eleitorado, mas também dos simpatizantes de outros quadrantes políticos; de reformar o sistema democrático que a todos nos rege; de reformar as instituições públicas, de forma a torná-las mais fiáveis e mais credíveis; de aproximar os cidadãos às políticas públicas; de mostrar integridade e transparência em todas as suas decisões; e de recuperar a sua influência, tanto sobre o território nacional quanto sobre a sua diáspora.

 

Os resultados do ato eleitoral de Março poderão ser instrumentos desbloqueadores de vários aspetos fundamentais para o país. Mas é preciso votar. É preciso que os próprios portugueses se manifestem. É certo que nas legislativas de 2022 a abstenção baixou, mas, ainda assim, foi a terceira mais elevada abstenção de sempre! Segundo a Pordata, 48% dos eleitores absteve-se, o que representa praticamente metade da população votante. De acordo com a mais recente sondagem da Universidade Católica sobre as intenções de voto nestas Legislativas de 2024, os jovens são a faixa etária mais indecisa e a que mais se abstém. Há quem diga que o desinteresse na política ande de mãos dadas com eleitores pouco informados, há quem defenda que os jovens não se reveem nos programas eleitorais, que não são feitos à sua medida e que não tratam as questões que verdadeiramente lhes importa. Recorde-se que há 2 anos atrás o tema da habitação, tão premente nesta atual campanha, nem sequer fazia parte dos conteúdos programáticos dos partidos!

 

Quem não vota e/ou não se interessa pela política é porque não sabe que todas as suas ações são atos políticos – o que se compra, o que não se compra, o que se usa, o que se veste… A educação cívica ou a cidadania, matérias que já são ministradas nas escolas, são ainda muito insuficientes para capacitar os jovens para a importância do exercício dos seus direitos e deveres políticos e para formá-los para uma participação mais ativa na comunidade. É necessário um maior nível de literacia política entre os jovens, para que o próprio voto em si seja informado, realizado com conhecimento e em consciência. A participação da chamada Geração Z na vida política está intimamente relacionada com o tipo de educação que lhe é ministrada e a própria educação é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes pilares para a democracia. A solução passa, sem dúvida, pela capacitação dos jovens, pela transmissão de informação fluida e de fácil apreensão, para resultar num maior e melhor conhecimento. Porque a democracia é mais forte quanto mais a participação dos cidadãos for informada, sólida e estruturada.

 

Os próprios partidos políticos não estão isentos de responsabilidade quanto aos níveis galopantes da abstenção entre os jovens desde 1975. Atualmente, 50 anos depois das primeiras eleições livres em Portugal, os políticos ainda se organizam e tomam como modelo a forma de fazer política da década de 70. Só até há bem pouco tempo é que os mais antigos partidos centristas perceberam que as redes sociais serviam para muito mais do que entreter. Esta parece ser a principal razão que explica o facto de o Partido Socialista, por exemplo, estar a perder o eleitorado jovem para os eleitores mais velhos, na faixa etária entre os 45 e os 88 anos. Enquanto isso, os partidos mais recentes, da esquerda à direita, visionários quanto ao potencial de se autopromoverem junto dos jovens nas plataformas onde eles são reis, aumentaram fortemente a sua influência. Isto explica o aumento exponencial de intenção de voto no Chega, que parece ser a força política mais popular e a que reúne maior consenso entre a Geração Z, os eleitores entre os 18 e os 34 anos.

 

50 anos se passaram sobre a revolução dos cravos. A memória começa a esbater-se e a nova propaganda política, à boleia das novas tecnologias, faz-nos uma lavagem cerebral no sentido de credibilizar um regresso aos antigos valores patrióticos. A opressão ultraconservadora que trouxe atraso, fome e censura ao país, e que antes era vista por todos como um regime condenável e impensável de regressar, está, aos poucos, a suavizar-se, a normalizar-se, a ganhar espaço em muitos nichos da sociedade. Parece agora uma aspiração ansiada por muitos. Quando a ditadura do Estado Novo acabou, entrámos naquela fase maravilhosa em que ninguém estava disposto a permitir o regresso das atrocidades recentes. Porém, somos seres volúveis e instáveis, de memória curta e com uma capacidade de autodestruição imensa. Teremos aprendido a lição?


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