Sempre quiseste fazer um Gap Year? Então estás no sítio certo, pois hoje vamos partilhar contigo algumas histórias de gappers que partiram numa grande aventura!
Bernardo Silva
Vencedor da bolsa de gap year da U-Scholarships by Nova SBE (2017)
A vida tem formas engraçadas (às vezes trágicas) de nos mudar o rumo. Quando digo de nos mudar o rumo não quero dizer apenas de nos levar a um sítio, a pessoas, ou atividades diferentes, mas de alterar o fundamento do que acreditamos ser nós próprios. Afinal, é o que cremos ser que serve de bússola ao nosso caminho. E em 2017 eu acreditava ser um rapaz recatado, muito dado ao pensamento e pouco apto à aventura.
Era o meu último ano de licenciatura e tudo o que fui aprendendo parecia precisar de mais escrutínio do que as exigências académicas permitiam. Eu queria refletir melhor, traduzir a avalanche de conhecimento num corpo mais coerente, perceber em que direção me apontava tudo aquilo. Depois de quase 21 anos a depositar informação, senti que alguma coisa precisava de sair. Decidi para mim próprio não seguir logo para o mestrado, parar para digerir e para depois me expressar, confiante que depois disso eu estaria mais resolvido, mais compacto. Mas para isso precisava de tempo. Então fui em busca dele.
O que eu idealizava, ainda sem grandes planos, era simplesmente encontrar um sítio sossegado, solitário, onde eu, como um ermita, pudesse reformular-me. Mas eu não tinha nem esse sítio nem formas de me sustentar se o encontrasse. Encontrei antes uma bolsa de gap year que a minha universidade promovia. Eu desconhecia o conceito mas a descrição parecia ser exatamente do que eu estava à procura, por isso fiz um plano menos ermita e candidatei-me. Propus-me a viajar por países que tivessem uma raíz budista, taoista ou pelo menos onde existissem projetos com práticas de meditação que pudessem expandir o meu tempo (para os mais curiosos: Taiwan, Filipinas, Indonésia, Tailândia e Índia).
Eu não esperava ganhar essa bolsa, nem sequer sabia se queria realmente ir sozinho para o outro lado do mundo mas, como vos disse ao início, a vida lá me mudou o rumo. Contra as minhas probabilidades, acabei a viajar sozinho durante sete meses, a fazer jejuns prolongados (uns voluntários, outros nem tanto), a dormir em tábuas de madeira, a apanhar boleias... Bem, a fazer tudo aquilo que um ano antes diria que não era da minha personalidade. E na procura desesperada por tempo o que acabei por ganhar foi espaço. Um espaço de possibilidades maior sobre o que sou, sobre o que significa ser-se humano em conjunto com todos os outros: espaço para respirar uma vida mais ampla. Um espaço que sem esse sortudo imprevisto talvez nunca existisse e eu talvez seguisse toda a vida sendo aquele rapaz recatado a quem a aventura nunca cativou.
Se eu soubesse o que era um gap year no secundário, se na altura tivesse a (improvável) coragem de lhe dar uma hipótese, teria ganho esse espaço mais cedo? Não sei. Acho que não há forma de saber. Claro que a idade empresta uma maturidade acrescida para explorar a vivência. Claro que já tendo feito uma licenciatura é possível ligar melhor a realidade ao estudo. Mas nem por isso me convenço que fazer um gap year quando o fiz, e não antes, era o melhor rumo. Foi o meu, isso apenas.
Podia-vos falar das vantagens de o ter feito, de que me deu mais confiança para lidar com o imprevisto, para compreender diferentes perspectivas, para tirar os livros da faculdade do abstrato... Sinceramente todas essas razões podem soar muito bem mas não me parece que devam ser motivo para alguém fazer um gap year. Ninguém deveria fundar a sua vida em utilidades materiais, mas sim em experiências que sublimam o sentimento de se estar vivo.
Fiz o meu gap year porque precisava de me sentir inteiro, de parar de perseguir um caminho para me tornar nele; porque precisava de voltar a aprender o que significa a vida e que papéis assumem nela a curiosidade, a descoberta, o desconhecido, a alegria, o amor, a arte, a religião, o medo, a dor, tudo. Tudo. E nós não nos podemos ensinar isso a nós próprios. Só o mundo pode. Nós só temos de ceder à sua maravilha.
Matilde Manuel
Candidata à bolsa de gap year da Lobo Scholarship (2022)
O meu gap year foi plano de gaveta durante 6 anos. Este ano tirei-lhe o pó e trouxe-o para a realidade. A ideia nasceu no final do secundário, mas as condições não estavam reunidas para embarcar. Faltava o dinheiro e a aceitação por parte da minha mãe, algo que sempre pesou para mim, especialmente aos 18 anos.Surgiu depois a possibilidade de parar entre a licenciatura e o mestrado, mas a pandemia veio colocar mais uma vírgula neste caminho. No final do mestrado o meu foco esteve em ganhar e poupar dinheiro para cumprir o sonho, e por isso esperaram-me 9 meses de um contrato de trabalho e um part-time em simultâneo. Em outubro de 2022 fiz a mala e acenei um até já a Portugal para abraçar o Sudeste Asiático, que me irá acolher até maio de 2023.
Fazer um gap year durante o ensino superior não foi tanto uma escolha, mas uma consequência do rumo que tomou o meu percurso e de um conjunto de situações que foram atrasando a decisão. Os 6 anos de standby deste plano foi tempo precioso para me perder em livros de viagem, ouvir histórias inspiradoras de quem fez acontecer, aprender pelas palavras de quem já fez aquilo que eu aspirava fazer,e para viajar e adquirir mais experiência por mim própria, acima de tudo, alimentar o sonho.
Acredito que a Matilde de 18 anos teria embarcado rumo à Ásia com mais medos e receios do que a Matilde de 24, por ter vontade de conhecer mundo, mas de não imaginar o que a esperava, e que isso a teria impedido de dizer que “sim” a certas experiências que hoje já tive oportunidade de viver, como ficar a dormir em casa de pessoas locais ou passar o dia com quem conheci à hora de almoço. Também a nível financeiro, o facto de o dinheiro que estou a usar ter sido ganho com o meu suor e o meu tempo, faz-me valorizar a experiência de uma forma mais intensa, permite-me olhar para trás, lembrar-me de como aqui cheguei e do quanto quis isto para mim. A minha curiosidade pelos caminhos de vida traçados por quem vou conhecendo, é certamente maior agora, depois de ter concluído a faculdade e de até já ter pisado o mercado de trabalho, algo para o qual não estava tão desperta aos 18 anos.