Se estás a ler isto, provavelmente, és estudante universitári@. E, como tal, é natural que ponderes bastante sobre o que fazer depois desta fase da tua vida. De um modo geral, as opções incluem trabalhar para uma empresa ou uma instituição pública, caso prefiras uma opção mais segura e tradicional, ou aventurares-te no empreendedorismo, se desejas criar o teu próprio negócio. No entanto, existe um caminho que, de certa forma, é uma mistura entre estes dois: fazer um doutoramento (PhD).
Se tens uma paixão por um tema específico e te imaginas a estudá-lo de forma mais profunda e independente, o doutoramento pode ser a escolha certa para ti!
Atualmente, estou no 3º ano do meu PhD em Neurociência e decidi escrever este artigo para partilhar as principais vantagens e desvantagens desta escolha. Mas, antes disso, é importante esclarecer o que realmente implica ser estudante de doutoramento.
Para começar, o termo “estudante” pode ser bastante redutor. Nós somos cientistas e tornamo-nos especialistas no nosso tema de investigação.
Embora o doutoramento seja um grau académico e, consequentemente, tod@s @s candidat@s estejam vinculad@s a uma universidade e a um programa doutoral, a experiência vai além do modelo tradicional a que nos habituámos na licenciatura e mestrado.
Alguns programas podem incluir aulas no 1º ano ou a possibilidade de lecionar para estudantes mais jovens. Contudo, a essência do doutoramento reside na investigação profunda de um tema, no desenvolvimento de um trabalho científico robusto e na elaboração e defesa de uma tese. Este trabalho é feito integrado numa equipa de investigação e sob a orientação de 1 ou mais supervisor@s.
Então o que implica, na prática, ser estudante de doutoramento? A nossa rotina é diversificada e inclui uma série de tarefas fundamentais:
✔️ Leitura Crítica: Ler artigos científicos relevantes acerca do meu tema para ganhar uma visão sobre o “estado da arte”, isto é, o conhecimento atual e as questões em aberto na área.
✔️ Aplicação do método científico:
- Propor uma hipótese e fazer um desenho experimental que permita testá-la;
- Planear e executar experiências para recolher o máximo de dados possível;
- Analisar e interpretar os resultados obtidos.
✔️ Discussões Estratégicas: Discutir com quem orienta o significado dos resultados, que respostas nos dão e que novas perguntas levantam, para re-definir uma hipótese, plano experimental..
✔️ Reuniões Colaborativas: Participar em reuniões semanais com o grupo de investigação, onde cada membro partilha o progresso do seu projeto.
✔️ Atualização Contínua: Continuar a ler os artigos que saem para me manter atualizada da literatura científica.
✔️ Gestão Prática: Encomendar reagentes necessários, organizar as colónias de animais com os quais trabalho, agendar a utilização de equipamentos...
✔️ Apresentações: Preparar e apresentar o projeto em eventos semestrais e conferências internacionais.
Todos os dias são diferentes. Há períodos em que estou, diariamente, no laboratório e outros em que estou mais no computador a analisar resultados ou a preparar apresentações e também varia entre fases de trabalho mais autónomo e eventos ou reuniões frequentes.
O doutoramento é um processo de aprendizagem muito grande, do qual até já pensei desistir, mas continuo a encontrar valor e alguma satisfação.
Vantagens de fazer um PhD
✔️ Desenvolvimento profissional: @s estudantes de PhD são autêntic@s “faz tudo”: aprendemos a implementar um projeto científico do início ao fim, o que envolve desenvolver várias competências técnicas.
✔️ Desenvolvimento pessoal: Os desafios inerentes a um PhD impulsionam o desenvolvimento de competências transversais, tais como: resiliência, pensamento crítico, gestão de tempo, gestão de stress, gestão de conflitos, comunicação, falar em público...
✔️ Liberdade intelectual e criativa: É uma oportunidade de nos dedicarmos a estudar aquilo que mais gostamos, estabelecendo os nossos próprios objetivos.
✔️ Flexibilidade e independência: Regra geral, podemos gerir o nosso tempo, livremente. Não temos de estar presentes, obrigatoriamente, das 9h às 18h, 45h por semana. O que importa é que os resultados apareçam.
✔️ Oportunidades de carreira: Depois do PhD, as opções não se limitam à carreira académica. Muitas carreiras atrativas e variadas, dentro e fora do ambiente académico, valorizam ou requerem um PhD.
✔️ Facilidade de internacionalização: O meio académico é intrinsecamente global e todas as pessoas comunicam em inglês. As colaborações internacionais, conferências e a diversidade nas equipas de investigação facilitam o contacto com profissionais de todo o mundo.
Desvantagens de fazer um PhD
✔️ Salário baixo: @s estudantes de doutoramento ganham salários muito baixos, quando comparados com profissões com nível de educação similar no meio não académico.
✔️ Ambiente competitivo com alta pressão: A competição intensa por financiamentos, publicações e posições académicas cria um ambiente altamente competitivo. Esta dinâmica, aliada à pressão para produzir resultados notáveis e publicar trabalhos, resulta em níveis de stress elevados. Inclusivamente, vários estudos indicam que @s estudantes de PhD têm maior risco de desenvolver problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.
✔️ Síndrome do impostor: É experienciado pela maioria d@s estudantes de PhD: sentimos que não somos bo@s o suficiente, que não pertencemos a este meio e que, mais tarde ou mais cedo, a nossa “falta de talento” vai ser “descoberta”.
✔️ Carreira precária: O passo natural depois do PhD é o post-doc, que é, inerentemente, uma posição temporária (e com salário também relativamente baixo). A quantidade de investigador@s que conseguem uma posição permanente depois do PhD ou Post- Doc é muito pequena.
✔️ Estatuto de estudante: Apesar de ser um emprego “a sério”, o estatuto de estudante de PhD tem um impacto negativo na nossa percepção social e financeira.
✔️ Estar longe de casa: Este não é o caso de tod@s @s estudantes de PhD, mas muit@s, tal como eu, vão para fora do seu país, o que é emocionalmente difícil. Embora o ambiente global que existe no meio académico seja muito enriquecedor, por vezes, tendemos a subvalorizar os desafios associados a estar longe de casa.
O doutoramento é a porta de entrada para a carreira académica. Na minha perspetiva, esta carreira distingue-se da maioria dos empregos tradicionais porque o objetivo que guia @s académicos (aka, @s cientistas) é a busca de conhecimento.
O objetivo d@s cientistas não está diretamente ligado a ganho monetário, mas o meio académico encontrou outra forma de o quantificar: o sucesso d@s cientistas mede-se pelo impacto e pelo reconhecimento do seu trabalho. Esse sucesso e impacto reflete-se na quantidade de publicações e nas citações que esses trabalhos recebem de outr@s cientistas.
Fazer um doutoramento é uma jornada desafiante e complexa, mas também profundamente enriquecedora. Com esta partilha, espero ter esclarecido aspetos menos conhecidos e talvez despertado o teu interesse neste percurso.
Se considerares fazer um PhD, procura falar com quem já passou por isso e recolhe o máximo de feedback possível, para que possas decidir com clareza e realismo.
Boa sorte!