Primeiro ano de mestrado. Sonhava em ter uma experiência de estágio no estrangeiro (precisamos de experimentar outros países para decidirmos quem somos e onde queremos ficar). E num dia, a meados de maio surge um convite para ir para Inglaterra. A felicidade máxima e o início do concretizar do sonho maior. Chamo-me Marta e neste momento, estou a escassos meses de me tornar uma Neurocientista.
Apanhar o avião sozinha foi o primeiro passo. Adoro aeroportos mas odeio despedidas. Para trás, ficava o meu recente namoro que provavelmente não sobreviveria de tão novo que era, a minha família e os amigos que ainda tinham um resto de verão fantástico para viver. Mas vinha a coragem comigo na mala. Estava feliz e aterrorizada. A minha primeira tarefa cerca de 8 horas depois de chegar a Inglaterra, seria fazer a disseção de 2 cérebros. E por mais assustador que isso possa parecer a qualquer um que esteja a ler, foi a armadura secreta para me manter firme até chegar a uma residência que parecia ter sido abandonada. Não tinha lençóis, as paredes eram de um roxo e verde assustadores, o corredor tinha uma luz que piscava de forma intermitente qual filme de terror, e tudo parecia deixado ao acaso. A única pessoa que encontrei e a quem pedi ajuda estava ensonada e das duas palavras que disse, ambas pareceram ter sido arrancadas do mais íntimo de si. Desvaneceu-se no espaço tão rápido quanto apareceu. E não a voltei a ver nos meses seguintes. Eram 23 horas e depois de caminhar a pé com 3 malas pela cidade, pensei realmente porque fizera isto. Mas tenho aquela vontade teimosa de quem não gosta de desistir. É uma necessidade. NÃO CONSEGUES VERDADEIRAMENTE VIVER A TUA VIDA ATÉ QUE TE DISTANCIAS DELA!
A verdade é que de dia, a residência já não parecia tão assustadora e tive uma comunidade fantástica no trabalho que arranjou panelas, copos, pratos, colchas, lençóis e toalhas de banho. Gozaram com a minha pouca sorte mas foram incansáveis, como se fossem uma equipa de super heróis que em 30 minutos me organizou um enxoval.
Conheci alguns dos que são os meus melhores amigos hoje, tenho 4 ou 5 casas disponíveis para se um dia quiser voltar e um orientador com quem de tempos a tempos troco emails insultuosos que nos fazem rir e lembrar por que gostamos tanto de pessoas sarcásticas. Estou à espera da visita dele em Portugal e quando vier, pagar-lhe-ei as cervejas todas que ele quiser. Por que me ensinou muito. E não só sobre trabalho. Por que não houve um dia em que não se risse de mim e me fizesse rir nessa alegria estúpida de duas pessoas que fazem o que amam, por que não houve uma única coisa que eu precisasse, que ele não resolvesse em 5 minutos.
Posso dizer-vos, com a certeza de quem sabe bem quem é o que quer da vida, que foi a melhor experiência da minha vida. E não o digo agora, que estou confortável em casa e de volta aos meus. Repeti durante 3 meses o quão sortuda era. E o quão feliz estava por ter trabalhado tanto. Ser babysitter, trabalhar numa discoteca, ser rececionista e promotora em eventos quase em simultâneo e sem dias de descanso, pareciam agora ter sido os melhores trabalhos do mundo. Tinham-me permitido chegar ali. Sobreviver sem trabalhar num país diferente. O namoro acabou, não pela distância mas porque existem diferenças irredutíveis que se tornam mais visíveis quando se vive uma experiência tão forte. Não teria deixado de ir se o soubesse de antemão.
Porque o sonho não desiludiu. E superou-se. Sou, sem qualquer dúvida, uma pessoa mais feliz porque vivi tudo isto.